segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O primeiro beijo

Era estranho. Os passos ficavam cada vez mais afastados, os sons também. Aproveitamos e pulamos o muro. Esperamos. Estava ficando frio, era melhor eu ter pego um casaco como a mamãe disse, mas agora era tarde demais... “Psiu!” Acho que pensei alto demais. Atravessamos o gramado e paramos atrás de uma árvore. Naquela rua silenciosa só se ouvia respiração de meu amigo. Ninguém podia nos ver. Era tudo secreto. Muita adrenalina. Ouvimos mais vozes, nos abaixamos atrás de um arbusto, as pessoas passaram e, agora, éramos sós outra vez. Sua mão completamente gelada puxava a minha para atrás da grande árvore. Ninguém se mexia, ninguém falava nada e era, de novo, a mesma respiração rápida e fria. Comecei a tentar me esquentar, aquela camiseta de manga curta não foi uma boa ideia. Suas mãos geladas pousaram sobre meus ombros e eu, num pulo o fitei mais profundamente enquanto o via aproximar-se cada vez mais. Suas mãos deslizaram em meus braços e agora seguravam minhas mãos. Seus olhos iam se fechando lentamente e agora eu entendia o que ele queria todo esse tempo. “Saiam da rua, está ficando frio!”

domingo, 8 de janeiro de 2012

Mais um...

Hoje passou uma pessoa gritando "Pedro" na rua. Passou gritando enlouquecidamente. Devia estar querendo falar com urgência com esse tal de Pedro. Deu alguns minutos de silêncio e eu até tinha esquecido da voz dessa mulher. Fiquei pensando se conhecia algum Pedro na minha rua, não me veio ninguém a cabeça. Mas imagina quantos Pedros exitem por aí. Imagina se existisse uma rua só de Pedros. Todos iam sair de casa, colocar a cabeça pra fora da janela pra ver quem chama. Até a mulher talvez se confundisse com qual Pedro ela queria falar. Seria engraçado. Não, imagina, coitados! Morando todos em uma mesma rua, todos os Pedros. Gostei desse nome: Pedro. Achei legal o modo como se diz, Pedro. "Pedro, vem cá!", "Pedro, já está tarde, vem pra casa!", "Pedro, o almoço tá na mesa!", "Pedro, filho, Pedro, Pedro..."
Meu filho vai se chamar Pedro. Gostei. É bonito, é forte, assim como Helena. Acho Helena tão bonito, tão sensível, tão forte, tão simples, mas tão complicado ao mesmo tempo.

A mulher passou gritando de novo, não devia ter encontrado quem procurava. Ela bateu aqui em casa, querendo saber se não tinha nenhum Pedro. Minha vontade foi de dizer "Hoje, não senhora, mas venha daqui a alguns anos..."

sábado, 7 de janeiro de 2012

Palavras

Naquele momento eu poderia ter dito tudo. Poderia ter dito tantas coisas, tantas palavras bonitas. Poderia ter aliviado meu coração e ter dito tudo que eu sentia, mas não disse. Ao invés de dizer, eu escrevo. Acho que sou meio covarde, sem muita coragem e me escondo atrás das palavras.
A verdade é que elas que me buscam. Essas palavras me buscam a toda hora e me atormentam, certas vezes.
A verdade é que essas palavras não me deixam dormir a noite. E elas vêm, vêm num sussurro ao meu ouvido com uma voz que eu desconheço – pode ser a minha voz, é uma voz que vem de dentro, me parece. São vozes. São sussurros. São palavras. E elas me dizem pra continuar, pra não desistir. Me dizem pra não deixar de acreditar... Eu estremeço com a verdade existente em cada palavra, mas eu tenho medo delas. Medo. Medo de que alguém além de mim as ouça: elas me são.
Naquele momento em que minha voz saiu chamando seu nome, percebi que era tarde demais pra se arrepender, tarde demais pra perder a coragem, voltar atrás.
Talvez sejam vozes sábias – elas sabem de tudo.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Helena, filha...

O vestido era azul, azul clarinho, aquele azul... Como chamam mesmo? Azul bebê. Seu cabelo, tão pretinho, lindo, solto, algumas mechas desobedientes caindo aos ombros... e ela sorria, linda. Helena estava linda. E aquele sorriso... Não há no mundo uma só alma que não se encante pelo sorriso dela. Fiquei algum tempo a admirando. Como cresceu a minha menina; a minha Lena, minha Lê, minha Leninha já é maior que eu - maior que a mãe. Já não conto mais histórias para dormir e há alguns anos que já não grito da varanda: ''Helena, filha, sai dai...", "Lê, deixa os cavalos pastarem em paz...'' - Helena ama os cavalos. Acho que nisso ela puxou à mãe, puxou a mim. Íamos quase toda manhã soltar os cavalos no campo, dar cenoura a eles e escová-los... e quando voltava da escola, à tarde, ia galopar. Sinto saudade da minha menina, sinto saudade de ter que separar as ervilhas no prato, saudade de quando nadou sem boias no laguinho pela primeira vez... Saudade.
Hoje, Helena trocou as sapatilhas pelo salto alto, as bonecas pela maquiagem... Helena é grande. Helena é moça. Helena é mulher.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

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Fiquei por muito e muito tempo agoniada. Fiquei desesperada, na verdade. Apaguei tudo, fiquei na escuridão abraçada em meus travesseiros tentando afastar os pensamentos ruins que me vinham a todo momento. Eu queria poder te ligar, queria ouvir a sua voz dizendo ''Está tudo bem, mesmo. Vai dormir, querida. Te amo.'' Mas acho que a coragem me faltou, e o orgulho... Ah, esse é meu pior inimigo. Fiquei por uma hora virando-me de um lado a outro da cama, sem sono, preocupada, coração na mão. Foi quando fechei meus olhos e os abri novamente, meu coração parou - pelo menos eu acho que parou. Meu quarto estava claro. Meu quarto, meu quartinho, pequeno, só para mim e minhas coisinhas: estava claro. Hã? Mas como isso? Eu apaguei toda e qualquer luz que atrapalhasse meu sono que já estava demorando a vir. Foi então que me dei conta: ele estava me ligando. Ah, meu coração pulou mais uma vez e outra mais. Não hesitei um segundo sequer, logo atendi e ao ouvir a sua voz me dizendo ''Oi, meu amor. Estou bem, só um pouco cansado, mas bem. Fica bem, dorme tranquila, amanhã nos vemos. Estou com saudade...''. Não sei se depois disso fui eu mesma quem falou ou foi meu coração, mas opto pela segunda opção: "Que bom, meu amor... Que bom! Vou ficar bem. Já estou deitada, só um pouco preocupada com você, mas agora... acho que passou e é a saudade que mais dói.". Ouvi ele murmurar alguma coisa e logo após um "Te amo'' - era tudo que eu precisava.